Ampulheta

Nem mesmo os crédulos acreditariam que a areia não queria mais descer e sequer dava trela pro outro lado da ampulheta. Após um longo burburinho, os componentes resultantes da decomposição de rochas resolveram dar um basta na interminável seqüência. Empolgados com a possibilidade, os grãos arquitetaram um plano que, resumidamente, consistia em permanecerem estáticos quando novamente revirados de ponta à cabeça. Estavam prontos. Como os moradores permaneceram um bom tempo indiferentes ao artefato, a hora H demorou um pouco a chegar. O ponto positivo do período potencialmente ocioso foi que puderam treinar exaustivamente o conjunto de ações a serem tomadas no momento decisivo. Quando finalmente a sombra cresceu, a porta do armário se abriu e a tampa da caixa foi levantada, deram as mãos e se colocaram a postos. Foi incrível. O lado vazio para baixo, o tempo passando e os minerais lá em cima, firmes e fortes. A mocinha balançava e batia no instrumento como quem usa um saleiro meia boca. Já os heróis, vivenciavam intensamente a realização do sonho, alimentado desde os primórdios do encapsulamento. O motim só não foi um sucesso absoluto porque a caçula queria muito brincar e chamou o pai.

10 comentários:

  1. Profundo, inteligente e instigante; faz-me refletir como poderiamos mudar, pra melhor, se houvesse atitude iguais das pessoas que compõem esta imensa nação que chamamos de Brasil.

    Um abraço

    Washington

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  2. Filhão, pra mim foi o melhor : "Motim de grãos de areia" foi o máximo que poderia ler (até agora.
    Muio bom mesmo. Este se aproxima mais do tamanho de meu QI (risos). Por favor, continue nos contemplando com estes contos maravilhosos...
    Abraços de seu amigo Luiz Vaz - www.vaz.eti.br

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  3. Graaande momento da terça-feira, com capítulo inédito da grande saga da vida.
    Mas veja, "saleiro meia boca": não é culpa do saleiro em si mas sim da humidade relativa do ar. Veja que aqui em Brasília todos os saleiros são excelentes. Bom... Perdão pela observação. hehe ;-)
    Abraço,
    Gadelha

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  4. Broco...Sensacional.
    Engraçado e cítrico...sinira...
    Parabéns.

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  5. Pefeito e brilhante, cabrón.

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  6. Absolutamente brilhante cara! Concordo com quem disse que esse foi o melhor texto. Sensacional!

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  7. Tenho que concordar que foi um dos melhores textos mesmo!! Parábens!! Ficou maneiríssimo!!

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  8. A cada semana que entro me surpreendo mais com seus contos... cada um mais instigante que o outro. Não sei se foi o melhor, mas com certeza foi absolutamente interessante, engraçado e por incrivel que pareça muito real.
    Parabéns!
    beijos

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